Conversa de boteco
- Mara Cornelsen
- 30 de mai.
- 2 min de leitura
As duas mulheres se encontraram no bar, após longo tempo de ausência. Pelo que parecia, eram amigas da época do colégio e hoje, cinquentonas, tinham muito assunto para por em dia. Pediram caipirinha e alguns petiscos, entre eles batatas fritas, um consenso, já que ambas gostavam de coisas diferentes para comer. Na segunda caipirinha já não se importavam mais que o bar todo ouvisse suas histórias e confidências.
Nesta hora lembrei de um amigo que costuma dizer: "todo bêbado fica surdo, pois na medida em que vai bebendo, vai aumentando o tom da voz. No final da noite tá todo mundo gritando". Constatei ter um bom fundo de verdade na fala dele, que é um contumaz frequentador de bares. Só que de segunda à quinta-feira, coisa de profissional. Sexta e sábado, segundo ele, são para os amadores. Domingo é dia de ficar em casa!
Mas voltemos às duas mulheres, animadas, contando sobre filhos e netos. Cursos e especializações. Amores que deram certo ou deram muito errado. Casamentos desfeitos, empregos maravilhosos. Enfim, assunto era o que não faltava e caipirinha também. Alternavam coisas felizes com outras muito triste. Chegaram às lágrimas ao falar dos animais de estimação que tinham morrido ao longo dos anos. E, riram bastante comentando que antigas desafetas tinham se dado mal na vida. O ser humano é assim mesmo. Todos tem um tantinho de bondade outro tanto de vingança.
O bate papo iria longe. Pelo jeito não tinham horário para ir embora e o bar, dos bons, só fechava após a saída do último cliente. Na mesa ao lado, impossível não acompanhar os desdobramentos daquele encontro, até que uma delas passou a confidenciar que havia se tornado uma pessoa muito mística. Buscava uma consciência além da lógica e do mundo material, queria uma união com o divino, interpretando os sinais da natureza. Uma borboleta azul no seu quintal era sinal de que algo muito legal iria acontecer. Já, se fosse uma mariposa marrom a entrar pela janela, certeza de que alguma invejosa estava espreitando sua vida!
E assim ela desfiou um rosário de exemplos de sinais positivos ou negativos, que iam desde o piscar de uma lâmpada (aviso da chegada de alguém) até uma lâmpada queimada (morte na família). A conversa se transformo quase num monólogo, já que a amiga respondia como monossílabos, em visível demonstração de tédio (e talvez de sono).
Até que veio a pérola da noite. A mística revelou à amiga que há mais de uma semana toda vez que saía de carro de casa, rodava por poucas ruas e já avistava um cachorro fazendo cocô. "Incrível, né? Não importa o rumo que eu tome, a direção que vá, ou horário que saia. Toda vez avisto um cão, destes de rua, sem raça definida, fazendo lá o seu cocô. Estou intrigadíssima. Sei que é um sinal, mas não consegui ainda interpretar a mensagem que o divino me envia. O quê você acha disso?"
A outra, após um prolongado bocejo, olhou firme para sua acompanhante e mandou: "acho que tem muito cachorro cagando na sua cidade! Acho não, tenho certeza!"
Não aguentei. Caí na gargalhada e só me restou pedir a conta e ir embora.

👏👏👏👏🙏😘
Prima suas palavras sempre se esparramam tão graciosas no texto, luminosas e com riqueza de detalhes. Amei as amigas no Bar e o quanto o ser humano busca respostas nos sinais. Adoro teus textos. Parabéns!💓