Brasil noveleiro
- Mara Cornelsen

- 19 de out.
- 3 min de leitura
Tem gente que torce o nariz, mas a maioria dos brasileiros adora uma novela. Basta ver o número de sites que existe para discutir os capítulos, criticar autores, e dar palpites sobre os personagens. Uma chegadinha no salão de beleza, na quitanda ou na barbearia e fatalmente alguém estará falando a respeito de algum momento de um folhetim tele dramático. As produções, em sua maioria, são boas, com destaque especial para os atores e atrizes nacionais, que dão verdadeiros show de interpretação. Gostando ou não, a novela é um patrimônio nacional.
Digo isso depois de ver os últimos capítulos da ressuscitada Vale Tudo (na Globo), a história repaginada neste 2025. Uma versão mais moderna da exibida em 1988, ano em que mobilizou o País com a mesma pergunta de agora: "quem matou Odete Roitman". Naquela época o papel de megera ricaça e insensível coube à maravilhosa Beatriz Segall, que o desempenhou com brilhantismo. No elenco ainda estavam Lilia Cabral, Antônio Fagundes, Nathália Timberg e outros feras, como Cássia Kiss, autora do tiro que tirou a vida da vilã.
Na versão atual a pergunta foi a mesma e houve até bolsa de apostas para saber quem teria matado Odete, que no final não morreu! Um tanto estranho, talvez até um pouco sem graça. Será que vão fazer uma continuação do "remake" já que nos últimos minutos a personagem afirma que "Odete sempre volta"? Tudo é possível no mundo da dramaturgia, desde que dê audiência.
A audiência de Vale Tudo me pareceu bastante grande, a partir do momento em que o Ministério Público do Paraná se manifestou pelas redes sociais dizendo que não sabia quem tinha matado Odete Roitman, mas que assim que o assassino fosse descoberto, faria a denúncia para a Justiça. Por sua vez, o renomado criminalista paranaense Cláudio Dalledone Júnior aproveitou a deixa e também pelas redes sociais assegurou que faria a defesa do acusado. Tudo uma grande brincadeira, é claro, evidenciando que o Brasil é noveleiro mesmo!
E não pense você que isso aconteceu só agora. Lá pelos idos de 1988 (século passado), quando não havia internet e muito menos rede social, e os telefones eram fixos (nas ruas eram usados os famosos "orelhões" com fichas telefônicas para se fazer uma chamada), a comunicação era muito mais lenta e difícil. Porém o mistério da morte de Odete Roitman contagiou o País. Não se falava de outra coisa. Na noite em que foi ao ar o capítulo que exibia o crime não se desgrudou os olhos da tela do televisor e logo começaram as apostas e adivinhações sobre o assassino. Era noite de 24 de dezembro, sábado, véspera de Natal.
A equipe que estava de plantão na Delegacia de Homicídios, então situada na Rua Brigadeiro Franco, no bairro Rebouças, em Curitiba, resolveu passar um trote nos "carrapichos" que no início das manhãs passavam pela especializada para apanhar os boletins de ocorrências das últimas horas. "Carrapichos" eram os repórteres policiais que, usando o telefone da própria delegacia, relatavam os fatos para os programas de rádio de suas respectivas emissoras.
Tudo tinha que ser dito muito rapidamente, porque o telefone da delegacia não podia ficar ocupado por muito tempo. Um falso boletim de ocorrência com a morte da personagem foi feito pelos plantonistas e colocado em meio aos demais. Não deu outra, naquela manhã de domingo, dia de Natal, o assassinato fictício foi narrado em várias rádios da cidade, com riqueza de detalhes que constavam no BO. O pobre repórter só percebia a cilada quando ouvia a gargalhadas dos policiais. E alguns, que dormiam muito cedo (pois trabalhavam de madrugada) e não acompanhavam a novela demoraram a entender a pegadinha!
Eram bons tempos no que diz respeito aos índices de criminalidade e até havia momentos de leveza, que permitiam uma brincadeira ou outra. Afinal os policiais, como bons brasileiros também eram noveleiros.




Prima teus textos de uma riqueza de detalhes que nos fazem viajar até a porta da delegacia naquela memorável manhã de Natal, e ouvir a risada animada dos policiais de plantão. Tua expressividade nos mostra com sua voz única um mundo nostálgico do passado e ao mesmo tempo o corre corre atual, que é estranho quando não se sabe para onde se está correndo. Deixa-se ir até onde as palavras permitem e desafia tuas lembranças a brilharem na atualidade, a nos encantar e admira-lá por mais um texto e por mais uma história, retirada das ideias e tornada real de novo tantos anos depois, Eu mesma não curto novela ,mas sou apaixonada por um livro, por uma história e…