Lady Gaga não gagueja
- Mara Cornelsen
- 4 de mai.
- 3 min de leitura
"Mas a moça até que canta bem, não gagueja. Injustiça chamar de gaga."
"Não vovó, ela canta muito bem mesmo, é uma diva pop, conhecida no mundo todo. O nome dela é que é Gaga, entendeu?", explico meio constrangida (e dando risada por dentro, para não constranger a velhinha que está próximo dos 100 anos), pois estamos na casa de uma vizinha mais abastada, dona de um televisor de 75 polegadas, com som estéreo e outras frescuras mais. A vizinha, muito gentilmente, ofereceu sua sala de TV aos amigos para ver o show da estrela de "Nasce uma Estrela", que acontecia na praia de Copacabana.
Todos aceitaram e se cotizaram para a pipoca e um espumante cujo preço coubesse no bolso, afinal a Lady Gaga merece ser vista com um certo luxo. Foi quase uma semana de preparação - quase todo mundo tratou de assistir o filme para se atualizar - e minha avó não arredou pé de ir junto, embora sequer soubesse de quem se tratava. Ocorre que um primo distante, filho de sei lá quem, decidiu ir para o Rio de Janeiro com o namorado, para ver o show nas areias da "Princesinha do Mar". Para tanto fez rifa e até uma "vaquinha" em família, só pra pagar a passagem do ônibus (tipo ida e volta), pois não poderia ficar por lá. Vovó contribuiu com 200 reais (achou uma fortuna) e por isso decidiu que também tinha o direito de ver o show, mesmo que fosse tarde da noite e na casa da vizinha.
Todos prontos, acomodados como podiam (vovó na melhor poltrona da casa). Alguns levaram até cadeiras de praia, para garantir um lugar confortável. Foi bem bacana, até alguém comentar que parecia um show de fúnebre, cheio de esqueletos. Entendidos em "Gaga" tentaram explicar de que a cantora era conhecida como "mamãe monstro" ou coisa assim, mas as explicações se perderam na euforia do show e nas taças de espumante meio quente. Os esqueletos compuseram as coreografias perfeitas, com bailados estimulantes.
No meio da apresentação, o celular chama insistentemente. É o primo de longe, falando diretamente do Rio de Janeiro. Ele queria dar uma esnobada e em meio a uma balburdia que não permitia ouvir muito bem, gritava "tô no Rio, vendo a Gaga!". "Nós também", respondi, com a pura intenção de não deixar a provocação barata. "Inclusive no camarote".
"Como assim?", pergunta o primo cuja voz denotava uma ponta de ciúme e grande espanto." No camarote da vizinha, tomando 'champanhe', no ar condicionado, em poltrona reclinável", esnobei eu.
"Caramba!", diz ele. "Aqui estou a não sei quantas quadras de distância do palco, mal consigo ver pelo telão, no maior empurra empurra. E se lamenta: "logo que cheguei fui para a frente do hotel, queria ver se a minha musa iria aparecer na janela do Copacabana Palace. Se apareceu não vi. Mas ela mandou entregar pizzas para quem estava por ali, num carinho para seus fãs. Foi uma loucura. Quase se mataram por um pedaço de pizza. Quem gostou da brincadeira foram os ladrões. Aproveitaram a 'muvuca' para levar o que podiam. Desde os celulares dos incautos até tudo que estava em acampamentos improvisados".
"Então aproveita aí, que eu tenho que levar a vovó para o banheiro, pela décima vez. Depois você me conta como foi". Desligo e volto a ver o show, que está com uma nitidez incrível. Juro que até vi uma celulitezinha nas coxas da Lady. Ela canta aquela música do filme que eu adoro. Por sinal foi ali que eu a conheci e passei a admirar, como cantora e como atriz. Garota porreta! Manda muito bem no que faz. Gosto sim, mas não a ponto de me mandar para o Rio de Janeiro e fazer parte de uma plateia imensa a se espalhar pela areia da praia, sem banheiro, sem segurança e... falando a verdade, sem ver o show direito.
O conforto da casa da vizinha está muito bom para os meus padrões.
E depois, rolou até um cachorro quente! Cortesia da anfitriã.
Termina o show com fogos de artifício na praia, como era de se esperar. Gaga se emociona (não sei se isso foi ensaiado ou não), abraça e beija os bailarinos e vai embora, triunfal. Foi tudo muito bacana, gostei! Difícil foi levar a vovó para casa, que já estava no décimo sono, esparramada na poltrona confortável. Aos trancos e barrancos a arrastei pela rua pelos 80 metros que separam a nossa casa da casa da vizinha. No pequeno trajeto ela insistia em dizer que a "cantora muda" cantava muito bem. E eu explicava, "não é muda vovó, é Gaga. E ela não é gaga, é só o nome que é assim!".
Meu Deus, sei que ainda vou ter que repetir isso uma dezena de vezes, mas... cada um tem o show que merece. E segue o baile!!!

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